Roberto Schwarz sobre Literatura e Subdesenvolvimento
- Alexandre Pilati
- 9 de abr.
- 4 min de leitura
Trechos de entrevista de R. Schwarz à Folha de São Paulo
(Em razão da leitura de “Literatura e Subdesenvolvimento”)
FOLHA – A propósito de Machado de Assis, você nota que às vezes surgem obras que sintetizam a história de um país ainda sem história cultural consistente, que então se nutre de modelos estrangeiros como o europeu. Foi o caso do Brasil após a independência, mas também o caso das repúblicas latino-americanas que, depois de se livrarem da Espanha, continuaram a olhar para a Europa em busca de modelos. Nesse sentido, você acha que podemos ler a literatura de Machado não só como uma "alegoria do Brasil" mas também das aspirações das elites latino-americanas, sempre questionadas por um entorno neocolonial?

Roberto Schwarz – [...] Ainda em relação à sua pergunta, o salto qualitativo de que falamos tem vários ensinamentos contraintuitivos.
1) A força negadora e superadora da grande literatura pode ter uma dívida importante com as limitações do universo artístico a que ela se opõe.
2) Em países periféricos, a invenção formal não nasce da recusa dos modelos metropolitanos, mas de sua verificação crítica pela experiência local, a qual se transcende e universaliza através desse confronto.
3) Talvez seja verdade que a produção artística de países na periferia tenda a adquirir uma dimensão suplementar de alegoria nacional, já que a experiência de incompletude e inferioridade relativa é um fato ubíquo da vida nesses países, experiência inescapável, que tinge os seus esforços de superação e neste sentido os alegoriza. Entretanto, em romances de tipo mais ou menos realista, a substância do trabalho artístico está na incorporação e transfiguração de relações reais, que lhes dão o peso representativo, que só secundariamente participa do convencionalismo da abstração alegórica.
4) De fato, o narrador machadiano passeia o seu refinamento cosmopolita pelo ambiente pitoresco da ex-colônia, entre relações atrasadas e bisonhas, sem proporção com a envergadura e a complexidade dele próprio, o que pode ser visto como um emblema das elites latino-americanas, que nalguma medida compartilham essa situação.
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FOLHA – Falando do crítico literário ou cultural como um "metapensador", como você disse em alguma oportunidade, a nossa região apresenta desafios e problemáticas diversas das examinadas por Antonio Candido em uma obra como "Literatura e Subdesenvolvimento" ou por você em "Cultura e Política, 1964-1969", mas são desafios e problemáticas herdados daquele intenso momento histórico que vocês analisam nessas reflexões. Você gostaria de comentar?
Roberto Schwarz – "Literatura e Subdesenvolvimento" faz pela literatura o que os outros clássicos da teoria do subdesenvolvimento fizeram para a economia e a sociologia. É um ensaio para ler e reler. É dessas raras reflexões que organizam a experiência cultural de um país e de um continente.
No essencial, estuda a superação da velha e acomodada "consciência amena do atraso", que vinha da independência e do romantismo e para a qual o progresso era algo que chegaria naturalmente, mera questão de tempo. No polo oposto a esse otimismo provinciano e quase infantil, de ex-colônia, irá surgir a "consciência agônica" desse mesmo atraso, visto como catástrofe contra a qual é preciso lutar com urgência.
Noutras palavras, o sentimento autocomplacente do "país novo", cheio de promessas, mas conservador no fundo, cede o passo à consciência realista do "país subdesenvolvido", com adversários externos e internos e para o qual o futuro é um problema. A inflexão começa por volta de 1930 e se aprofunda nos anos de 1950.
No Brasil, a sua primeira manifestação foi o romance do Nordeste, que trouxe a miséria e o atraso da região ao debate nacional. No decênio de 50, o problema ganhou dimensão conceitual na teoria do subdesenvolvimento, com desdobramentos em todos os planos da vida, que de repente se descobria subdesenvolvida de A a Z. Como começava a ensinar Celso Furtado, o subdesenvolvimento não é uma etapa transitória, que precede o desenvolvimento pleno, mas um estágio e um modo de viver que tendem a se reproduzir ou agravar caso nada seja feito.
Na esfera da cultura, por exemplo, o sonho dorminhoco e regressivo da originalidade nacional absoluta, que no limite exigia a "supressão de contatos e influências", tem de ser substituído pela constatação sóbria mas polêmica da dependência e, no melhor dos casos, da interdependência generalizada, que leva ao questionamento estético-político em toda a linha.
É claro que o abandono das ilusões iniciais de autarquia tem algo de progresso crítico, apontando para um horizonte menos iludido, ou mais relacional, em que a originalidade almejada resulta da influência recíproca e livre entre as nações.
Por outro lado, é claro também que este horizonte é ilusório por sua vez, pois as realidades do imperialismo e de nossas estruturas sociais inaceitáveis, postas em evidência pela teoria do subdesenvolvimento, fazem da reciprocidade universal um voto pio.
No passo seguinte, o enfrentamento continuado com a iniquidade das estruturas e do imperialismo tende a criar o intelectual revolucionário, cuja figura assinala um novo patamar.
[...]
“Roberto Schwarz reflete sobre quatro tentativas de modernização do Brasil”. Folha de São Paulo. 21.jul.2018.


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